08/05/2011
Começo a escrever agora de um quarto de hotel em Chicago. Desde o último domingo, dia em que pela última vez este blog foi atualizado, passamos por uma semana intensa, de descobertas, desenlaces e grandes decisões. Fomos levados, pelos loucos caminhos que a nossa viagem nos descortina, a encontrar algumas respostas que estávamos procurando. Isso só me faz acreditar mais e mais que as coisas acontecem de acordo com a intenção e a fé que a gente coloca antes delas se materializarem. Como isso ocorre não sei responder, só sei que creio piamente não haver obstáculo que possa se interpor de maneira intransponível na trajetória de alguém que persegue com tenacidade algum objetivo ou sonho. "Não sabendo que era impossível, foi lá e fez..." - disse uma vez algum sábio. E acreditando que assim seja, eu e minha sereia temos ousados projetos para o começo de setembro. Vamos por partes.
Segunda-feira passada deixamos o nosso sofá em Walthan, Massachusetts, e fomos aproveitar o dia em Boston. Nosso plano era passar aquela noite em outra cidade ali perto, na costa do estado. Acontece que o nosso host deu pra trás no último minuto, alegando ter seus motivos; penso que o maior motivo de todos era a necessidade de, naquela noite, a Bisny e eu irmos para Portland, ME. Como era muito tarde para fazer uma pesquisa mais detalhada no couchsurfing, usei de uma estratégia mais abrangente: me filiei ao grupo couchsurfer da cidade de Portland e deixei uma mensagem comunicando que estaríamos chegando na cidade em um par de horas, mesmo não tendo onde ficar; acrescentei que, como não haveria tempo para troca de mensagens por internet, se alguém se interessasse em hospedar o casal mais cool da America, era só give a call to my number - nice and easy. Mal havíamos saído de Boston e nosso celular recebia uma ligação de Claudia Laguardia.
Claudia é uma descendente de guatemaltecos, estudante de filosofia e trapezista que mora com o namorado (que está de viagem pelo país divulgando seu projeto de energias renováveis), os sogros e cachorros e gatos da família, em Scaraborough, cidadela ao lado de Portland. Ela não pode simplesmente receber couchsurfers na casa sem a anuência dos sogros, que, até então, nem sabiam direito da existência dessa rede de relacionamentos onde fulano dorme na casa de cicrano que não conhece. Entretanto, sendo uma guria de mente aberta, resolveu perguntar - porque não ofende. Democratas do Maine, o simpático casal abriu a porta de sua casa para os viajantes brasileiros. Chegamos lá e fomos recebidos pela pequena menina de quando muito um metro e meio (a tampinha da Bisny fica uma mulher de altura mediana perto dela), que fala baixinho, tem um olhar distraído e logo me pediu ajuda para instalar um trapézio nas vigas do teto do porão. A nossa passagem pelo Maine começou assim, com aulas de circo. Das práticas passamos às conversas, do bate papo chegamos rapidamente ao rascunho do que será o encerramento do projeto FiftyFlags. Construíremos no Burningman (wwwburningman.com) um dome, que servirá como espaço de livre manifestação artística e confraternização, entre todas as pessoas que, de alguma forma, participaram de nossa epopéia ou que quiserem se aprochegar. A Claudia já esteve no Burningman, tá dentro dessa com a gente e vai pendurar seu trapézio no topo da nossa instalação. Se alguém aí tiver alguma ideia ou quiser aparecer... Mi casa es su casa.
Na verdade a gente foi para Portland e não para o Acadia National Park, mais ao norte de Maine, porque a previsão do tempo era de chuva incessante. Mas depois de dois dias com a Claudia resolvemos dirigir até Bar Harbor, a cidade que fica ao lado do parque. Fomos no mesmo esquema, sem ter onde ficar e sabendo que não haveria condição climática para a prática do camping, com o agravante que o couchsurfing praticamente inexiste na cidade. Mais uma vez tudo se resolveu no último segundo, mais uma vez o pacote saiu melhor do que a encomenda. Chegando perto de Bar Harbor, recebemos um telefonema da Claudia dizendo que poderíamos ficar na casa de uma amiga dela por lá. Liguei para a amiga e descobri que, na verdade, ficaríamos na casa de outra amiga. Liguei para a outra amiga e anotei o endereço. Uma hora depois entrávamos na comunidade social democrata encabeçada pelo sexagenário casal Robert e Diana. Funciona assim: naquela residência labiríntica há espaço para acomodar em torno de 10 pessoas. Por aprovação unânime - e só assim -, após pelo menos uma semana de experiência, a pessoa pode se tornar um membro residente da "família". Bar Harbor é uma cidade onde grandes redes, sejam de fastfood, material de construção ou indústria têxtil, não entram. Os moradores não aprovam, se mobilizam e boicotam se alguma se atrever.
Na comuna de Robert ninguém é obrigado a nada, limpa quem quer, contribuí quem quer e com o que quiser, tudo na base da livre cooperação; e assim funciona a engrenagem da vida em grupo. Todas as quartas-feiras, exatamente o dia em que passávamos por lá, acontece um jantar, onde todos sentam à mesa juntos. Quem quiser prepara um prato e apresenta sua criação gastronômica antes da comilança ter início. Nesse dia só tinha comida saudável, mas o jantar primou mesmo pela boa conversa e pelo sentimento de união daqueles que dividiam o alimento e os pensamentos. Todos estavam muitos entusiasmados com a nossa presença e queriam saber de tudo sobre nossa viagem e nosso país de origem. Terminada a refeição, fomos ao quarto de um casal cubano para assistir uns videos de dança e seguir com a conversa. Pouco a pouco os moradores da casa, quase todos jovens estudantes, foram aparecendo. O resultado disso foi música (Grande Max!), risada e muito aprendizado. A troca - de informações, de camaradagem, de sorrisos, de afeto - foi uma coisa que realmente nos tocou, saímos de lá emocionados e ficamos ainda mais tocados ao ver a cama que a Diana montou para a gente na sala, com lençóis cheirosos e um pano improvisado tapando o vão que dá para a cozinha, prezando pela nossa privacidade. Adormecemos agarrados e gratos por encontrar gente assim, fomos viajar em nossos sonhos pensando no quanto nos sentimos no dever de retribuir de alguma forma todos os presentes que temos recebido nessa viagem.
Antes de chegar em Burlington, Vermont, com direito à passagem relâmpago por New Hampshire para pegar nossa bandeirola, eu só queria registrar o outro exemplo que tivemos de vida em comunidade. Além deste que nos agradou muito em Bar Harbor, tivemos a oportunidade de observar o modelo de vida em comunidade mais promíscuo e insalubre dos últimos tempos. Logo na chegada, ao estacionar o carro, fomos "agraciados" com a visão de uma balzaquiana com as mamas nuas batendo no umbigo, ao balanço do rebolado de seu corpo desconjuntado manobrando um bambolê vermelho. A tal em questão, uma das moradoras dessa casa, cria sua filha pequena no meio do ambiente libertino que vou descrever. Na cozinha a personagem principal era uma moça em seus 130 quilos se auto tatuando na coxa mais do que roliça; no aquário, ao invés de peixinhos dourados, uma ratazana estilo New York subway. No único quarto, provavelmente coabitado por meia dúzia de seres além da infante, não havia espaço para se colocar a ponta do pé no chão, tal a mistura de brinquedos, roupas e detritos que se amontoavam nele. Enfim, não pude conhecer essas pessoas a fundo e não quero julgar ninguém, mas para mim ficou clara a diferença de um ambiente onde a liberdade e cooperação se sobressaem, e o outro onde a descontrolada anarquia deforma o aspecto e a energia das pessoas. Foi intensa a nossa curta estada nessa casa, acho que até a própria Claudia sentiu que estávamos desconcertados. Doidera demais!
Em Bar Harbor, um dos garotos que conhecemos foi o James, completamente louco varrido, que está fazendo mais ou menos a mesma coisa que a gente, só que de bicicleta. Ele é gente fina demais, consertou o pneu da bike da Bisny que estava prejudicado e arrumou um lugar pra gente ficar em Burlington, VT, nossa próxima parada. Como em Bar Harbor, só ficamos sabendo no caminho que teríamos onde pernoitar. O James conectou uns amigos universitários que moram em um dormitório em Burlington. Como o ano letivo deles terminou essa semana, das 34 pessoas que moram no dormitório apenas 4 estavam lá. A molecada entre 19 e 20 anos nos recebeu muito bem, em meio a uma bebedeira e sessões indoor de skate. Todos foram contaminados pelo "ideal" FiftyFlags, talvez algum deles dê as caras no Burningman. Burlington é uma cidade bem bonita às margens do lago Champlain, não fosse a pressa e o frio poderíamos ter aproveitado mais. Mas, nem que ladrem os cães, a caravana não pode parar. De lá dirigimos até a Woodbourne Correctional Facility, em NY, para assistir a uma peça encenada pelos próprios detentos. Sexta-feira, 5:30 da tarde, e a nossa semana terminaria com um soco no estômago. Ainda bem que a vida às vezes bate forte. A Bisny vai contar da peça no próximo post. See you in the Black Rock Desert.
Mais fotos:
Tá muito bom....Just keep it! Believe.
ResponderExcluirDesert é sobremesa né?
ResponderExcluirO jaimao daria tudo para estar nessa com voces, a diferença é que, talvez, ele se engraçasse com a roliça do bambole, ou talvez só saber que ela estava afim dele já fosse o suficiente.
hahahah
ResponderExcluirfaaala biginos!
fazia um tempo que eu nao acompanhava suas aventuras e fiquei mto feliz de justamente ler justamente a que o circo esteve presente...
a vida é foda mesmo, uma vez eu li que vc deve acreditar no caminho para ele se manifestar a nosso favor...
PS:o anonimo ai em cima é um fanfarrao mesmo, o cara nao tem o que fazer e fica difamando as pessoas alheias..haha
tamo junto irmao!!
bjo grd