03/07/2011
Há tanto tempo distante da caneta, não me sinto totalmente confortável para começar este texto. Não que não tenha história para contar, muito pelo contrário; é que bate de sudoeste uma brisa de ansiedade, coisa de quem ama a escrita, almejou e almeja ser escritor, mas que às vezes tem uma relação conflituosa com ela. É um certo receio de que as linhas não fiquem à altura do pensamento. Mas que seja, sendo ou não eu um escriba de respeito, vamos aos fatos, que são absolutamente verídicos.
Lake Tahoe - divisa do estado da California com o estado de Nevada -, é aqui que estamos. E o pessoal tá tirando um barato da minha cara porque, no destrambelhamento incoerente dos meus movimentos corporais, acabei, literalmente, virando a canoa. A única que de fato se deu mal com esse meu lapso foi a Bisny, que vinha desde o começo do dia evitando mergulhar seu corpitcho na água acima da linha da cintura (só o suficiente para fazer um mix): tomou um banhão gelado graças ao palerma aqui. As duas outras vítimas, Paul e Merle, pessoas que não têm medo de água fria, se divertiram bastante com a trapalhada.
De Santa Monica, no domingo passado, traçamos um caminho cheio de escalas até atingir San Francisco, na sexta à noite. A primeira foi num lugar que já conhecíamos: a casa do excêntrico Bryan Costanich. Dono de um bigode renascentista, com certeza foi nosso host mais misterioso. Quando saímos da casa do grande camarada Jorge, naquela manhã, estava tudo combinado para passarmos as próximas duas noites também em Santa Monica, dessa vez na casa do Calvin, de quem falo melhor nas linhas que se seguem. Acontece que houve uma pequena falha de comunicação entre nós e, quando deu 21 hs, achamos que estaríamos sem teto por aquela noite. Perdão, sem teto jamais, não posso desconsiderar o valioso forro de nosso veículo, que tantas vezes nos protegeu do sereno e nos amoldou em seus bancos recostados, provendo o descanso necessário, sendo os nódulos deixados de lembrança na dorsal apenas um mero detalhe.
Enfim, antes de recorrer ao auto, decidimos tentar o Bryan. Mandamos uma mensagem de texto no celular, que ele prontamente respondeu de modo afirmativo, só nos alertando de que, pelo fato dos quartos estarem ocupados, teríamos que dormir na sala. Até aí, problema nenhum, já que o Bryan tem um belo sofá branco em seu living. A nossa surpresa veio no momento em que chegamos e encontramos tudo trancado, diferentemente do que ele costuma fazer. Fomos ao jardim e procuramos pela chave em seu esconderijo habitual: nada. Foi então que vimos uma menina pela janela, que, confiando na nossa boa aparência, nos abriu a porta. Kasia, uma polonesa de 24 anos, na véspera de embarcar de volta para a terra polaca de origem, após seis meses nos EUA, estava há três dias na casa de Bryan e ainda não o havia conhecido. No outro dormitório, onde Mr. Costanich dorme quando está em casa, repousava um casal de franceses, que tampouco o haviam conhecido. Ou seja, em um aparentemente regular domingo à noite, o homem do bigode hospedava em seus aposentos três grupos diferentes de couchsurfers sem estar presente. Cheguei a pensar que estávamos sendo monitorados por diversas câmeras, participando de algum reality show, onde os participantes participam sem saber de sua participação. Mas acho que, no fundo, Bryan é só um cara que vive à frente de seu tempo; apreciei tal desprendimento, acredito na proposta.
Encerrado o capítulo Bryan, passemos ao capítulo Calvin. Segunda aproveitamos o dia em Laguna Beach e voltamos para as redondezas de LA. Calvin, o nosso suposto host de domingo, seria nosso host dos dois próximos dias. Chegamos e encontramos mais uma peça rara. O descendente de coreanos, de 42 anos, vive num apartamento de dois andares e duas suites, e nos ofereceu uma delas (a que tem uma banheira embaixo da cama). Este também é outro cara que parece estar um pouco adiantado em relação aos tempos atuais. Mas, ao contrário de Bryan, com ele tivemos muita oportunidade de conversar. Ele foi muito sangue nobre, gravou com a gente para o documentário e falou coisas interessantes sobre política, economia e vida. E, exatamente como o Bryan, mesmo após agradáveis momentos compartilhados, Calvin continua sendo um enigma para mim. Sei que gosta de ténis e cenoura, pois passou uma tarde inteira degustando-as, enquanto assistia às quartas-de-finais da chave feminina do torneio de Wimbledon. Sei também que é um cara muito inteligente e educado, com o qual ainda tenho muita idéia para trocar.
Para terminar a sessão couchsurfing, gostaria de mencionar o reencontro com a Laurie, nossa host malukety de St Louis. Encontramos com ela e com Nicki, sua filha, que estava na Bolívia naquela época, meados de março se não me engano. Passeamos pelo pier de Santa Monica, matamos a saudade e gravamos um depoimento bem legal. Não me surpreenderei se tivermos no Burning Man o reforço da mãe e filha que parecem irmãs.
Foi saindo de LA que começou o caso de amor da minha Bisny com a Califórnia. Santa Barbara fez minha pequena vibrar. Depois da emoção de viajar costeando o Pacífico pelo Big Sur, Carmel quase a fez chorar. Mas vou falar de Carmel depois, já que vamos voltar para dar uma olhada melhor nessa jóia de cidade. Antes de chegar em San Francisco, surfamos em mais um sofá, em Monterey. São dois casais que dividem uma baita casa, mobiliada com esmero e limpa com capricho. Passagem rápida, aquela troca legal de gentilezas, mas sem maiores aprofundamentos. Pá e pum, seguimos até SF, onde minha amiga de longas datas, Bartyra, nos aguardava. A Bart mora com o Ian, seu namorado irlandês há quatro anos. Nesse mês de julho, iremos nos basear em sua casa; vamos deixar o grosso de nossas coisas e pular de canto em canto com mais mobilidade. O FiftyFlags, que até agora é o 46Flags, estará com todas as suas atividades voltadas para o organograma operacional da realização do nosso maior desafio e coroamento do projeto: a construção do circo-tenda-chillout no Burning Man. Resolvidos todos os detalhes pragmáticos e colhido um bom material, entre entrevistas e depoimentos sobre onde tudo começou (CS e BM), seguiremos viagem para completar nossa peregrinação na majestosa "América", de raças e povos distintos.
Termino de escrever no motorhome em que estamos alojados aqui em Lake Tahoe. Essa casa móvel é do Jeremy e da Rachel, que vivem por aqui em South Lake Tahoe. Como a casa estava cheia, a Barty, o Ian, a Bisny e eu ficamos no motor. Imagina a minha felicidade, justo eu que sou louco pra ter um desses?! A galera aqui é demais, todos se ajudam e cooperam em tudo. O lugar é um paraíso, eu e minha boneca estamos em núpcias e o sol tá fritando. Vou nessa, comprometendo-me a aparecer com mais regularidade. Paz, Equilíbrio, Harmonia e Alegria a todos.
O post ficou bom, mas ficou faltando algo.
ResponderExcluirPortinha, leoes e barzao.